GERMINAR

A Cada nascer do sol
Há esperança de ser livre
E como pássaro peregrino

Voar confiando em não ser só.


Santiago Dias

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O MENINO E O ESPELHO


Foto da Web




Olhando no espelho deparei-me com um homem sério, de rugas no rosto, cabelos grisalhos a observar-me. Fiquei assustado sem saber o que fazer. Diante da realidade comecei procurar desesperadamente a criança interior. A criança que brincava alegremente, que cantava e que sorria. Que olhava o céu e se encantava com as estrelas. Sofria por não poder contá-las. Naquela região comentavam que contar estrelas fazia nascerem verrugas. Criança que gostava de brincar de passar anel, ouvir cantigas de rodas e que adorava brincar de cabra-cega e corre, corre nas noites de lua cheia.
Hoje vejo um senhor diante desse espelho. Um homem de rosto suave, semblante triste e olhar melancólico, preocupado com o desespero do dia a dia.
Saiba que esse homem é a criança de ontem, que sonha com um mundo colorido, cheio de amor e alegria. Que ama as pessoas sem distinção de cor ou credo, a mesma que ri alto e grita mais alto ainda sem nenhum pudor de suas gargalhadas. Criança que não se importa com nada que não faça parte do seu mundo interior.
Essa criança está dentro desse homem. Por vezes volta ao tempo e se põe a cantarolar e sorrir. Embora se sinta como uma flor perdida na imensidão. Uma estrela com o brilho já apagado no espaço infinito. Homem levado a ingerir as artimanhas da sociedade dominante e conservadora. Ter que confrontar com as injustiças e as frustrações, coisas que uma criança jamais pensou que existisse. A mesma criança que sofre o mal da solidão, as privações que não faziam parte do seu universo. Esse menino vai superar, vai conseguir seu mundo encantado, mesmo que esse mundo esteja só dentro dele, mas que se permita libertar seu outro eu menino e juntos brincarem, voltarem a correrem nos campos floridos da infância. Afastar as amarguras e olhar a lua cheia. Contar estrelas sem se preocupar com as benditas verrugas. Brincar de tudo. Colher flores na primavera e se encantar com a flor do maracujá ou da paixão, como é denominada por muitos.
O menino ficou por algum tempo em silêncio, depois o afastou da frente do espelho. Tomou a direção dos pensamentos e argumentou que:
- Os homens sérios não riem nunca e as crianças acham isso tudo horrível. Esqueçam as engrenagens que o próprio homem criou para continuar vivendo. Vamos procurar um jardim florido e brincarmos sem nos preocupar. Voltemos ao passado e façamos o que o coração mandar. Qualquer praça será nosso mundo encantado. Qualquer pessoa será nosso irmão, poderá fazer parte das brincadeiras e usufruir dos nossos brinquedos e seremos uma só família.
Depois de uma pausa para refletir, continuou:
- Aliviarei sua dor, dando-lhe o elixir da felicidade. Nas reflexões e pensamentos estarei ao seu lado. Não se esqueça de que as rugas, os cabelos prateados são sinais dos tempos e não podemos mudar. Seremos como uma fonte ou nascente de águas.
O corpo e o espírito não vivem um sem o outro. Como sustentar o rio sem a fonte? E como se espalhar a água da fonte sem o leito do rio? A água da nascente vai desbravando a terra preparando o leito. O rio com a experiência da existência vai levando essas águas para o mar azulado e imenso.
O menino e o velho se abraçaram calorosamente desejando que esse momento não acabasse nunca e depois o homem disse:
Até breve pequeno, enquanto puder serei criança, mesmo com as rugas e os cabelos brancos serei eternamente menino.

SANTIAGO DIAS
(Trecho do livro: O Plantador de Manhãs)