GERMINAR

A Cada nascer do sol
Há esperança de ser livre
E como pássaro peregrino

Voar confiando em não ser só.


Santiago Dias

sexta-feira, 30 de março de 2012

PARECE QUE FOI ONTEM


Foto da Web

Ontem eu estava em casa ao lado dos meus irmãos. Ria sem saber de quê. Cantava desafinado e falava qualquer coisa, todos achavam engraçado. Ainda ontem fui pela primeira vez à escola. Chorei de saudade dos pequenos lá de casa. Ontem mesmo, minhas tias pegavam-me no colo e beijavam-me carinhosamente. Eu dava pulinhos de alegria. Contava estrelas deitado no colo de minha mãe, ela passava as mãos delicadamente sobre meus cabelos. Meu mundo era só alegria. Não me preocupava com o amanhã. Inocentemente, sonhava que brincava num jardim florido de um castelo encantador. Vi os passarinhos cantando livres no quintal da minha casa. Tudo parecia conto de fadas.
Ontem beijei minha primeira namorada... Tive esperança que o amanhã fosse melhor! Vi uma flor desabrochar e outra murchar no pé. Vi uma folha seca voando leve no vento e me tornei poeta. Chorei e esperneei querendo colo novamente, mas o ontem passou tão rápido, deixou marcas que nem mesmo o tempo conseguirá apagar.

SANTIAGO DIAS
(Trecho do livro: O Plantador de Manhãs)

domingo, 4 de março de 2012

CAMINHOS DE NOVA BELÉM


Foto de Nova Belém - MG





Nova Belém é um povoado que, no tempo em que morei lá, era habitada por cem famílias mais ou menos. Ainda não sei o porquê desse nome, pois nunca ouvi falar se há um lugar chamado Velha Belém, a não ser a Belém de Jesus Cristo, que fica a milhas e milhas de lá.
Todos se conheciam e sabiam as qualidades e os defeitos de cada um. Quase todos tinham apelidos. O senhor Henrique Teixeira era o Zico Dentista e era um dos homens mais gentis dessa terra. O senhor Geraldo se tornou sapateiro, o Geraldo Sapateiro. O José Candido era o Zé Candinho. O Sebastião Barreiro era o Tatão, o principal homem que batizava as pessoas com os apelidos. O senhor Fiinho era caçador e nunca fiquei sabendo do seu verdadeiro nome. O Manoel Romão era o Manuelino, que chegou a legislar como vereador nesse lugar. O Alair Caldeira Pena era o tabelião, mas todos o chamavam de Broa, e também não sei o porquê desse apelido. O senhor José Beneto e a dona Jovina eram rezadores do lugar e se mudaram para Belo Horizonte. Morava também a dona Nivalda e seus dois filhos, a Almerinda e o José, que o Tatão o batizou de Zé Fincão. O senhor José Líbano que todos chamavam de Zé Libano, sua esposa Maria Adália e seus filhos José Eliotero, Benedito e a Rosa. O senhor Darli Soldado com sua família. Ele fugia dos padrões dos seus demais colegas de profissão. Era um homem educado e gentil. O
Assim Nova Belém passou de município a cidade. Só falta nascer por lá um José, uma Maria e depois, um Jesus Cristo. Talvez ele não fosse condenado pelas pessoas. Herodes, Pilatos e Judas possivelmente não passarão por lá. Sei que lá habitam muitas Marias, Josés e possivelmente muitos meninos Jesus. Jesus negro, Jesus branco, Jesus índio, Jesus gente de carne e osso, o que é mais importante. É praticamente impossível identificar o Messias, pois sei que ele pode não se chamar Jesus e por essa razão temos que amar a todos do mesmo jeito. O menino Jesus do meu vilarejo não tem estrela na testa visivelmente e acho que seu pai pode não se chamar José e sua mãe não se chamar Maria. Aos poucos ele vai se revelando através de atitudes, gestos carinhosos e orações. Digo isso porque Nova Belém é abençoada por Deus!
Belenzinho era composto por duas ruas no horizontal e três na vertical. As duas horizontais eram chamadas de rua de cima e rua de baixo. Depois de muitos anos, - e eu nem morava mais lá - fiquei sabendo que a rua de cima ganhou o nome de Avenida João Alves de Paula, um velho amigo dos meus pais. A rua de baixo recebeu o nome de Magalhães Pinto, um velho político mineiro. Das ruas verticais ainda não sei os nomes, pois faz muitos anos que não visito o meu lugar de origem. A Rua de baixo era quase que intransitável, estava constantemente alagada e cheia de lama. Só passava ali por dois motivos: o primeiro para eu ir à casa do senhor Zico Dentista brincar com seus filhos e tomar suco de laranja feito por dona Florípedes. Passava nessa rua também para ir à casa da professora Dioguina Augusta Santana. Foi com ela que aprendi a ler e escrever. Com ela conheci o lirismo poético do Manuel Bandeira, a beleza mágica do Carlos Drummond de Andrade e a delicadeza da poetisa Cecília Meireles. Foi minha primeira paixão pela poesia. Depois desse meu primeiro encontro com os escritos desses poetas brasileiros, nunca mais fui o mesmo. Tornei-me dois meninos, um antes e outro depois de conhecer esses poetas. Comecei a ler todos os poetas e livros que caiam à minhas mãos e daí foi um passo para começa a escrever.
Nova Belém é o meu cenário poético, o meu mote e meu tema predileto. Enquanto respirar vou falar de suas montanhas, do nascer e o pôr do sol, das águas cristalinas, das noites estreladas e das pessoas de grandeza espiritual que vivem, que viveram, que passaram e outros que passarão por lá. Assim é feito o meu Belenzinho de sonho, de amor e alegria.
Na rua de cima ou rua principal tinha a quitanda do senhor Orlando Santana, onde as pessoas faziam paradas antes de percorrer o povoado. Era impossível não desejar comer as delícias feitas pela dona Fiinha, esposa do senhor Orlando. Ao lado das duas portas da quitanda havia uma árvore enorme, de folhas também enormes e era onde se amarravam os cavalos. Nunca consegui imaginar Nova Belém sem a presença dessa generosa pessoa. Nessa quitanda meus pais compravam para pagar depois, ele anotava numa cadernetinha. Quando meu pai atrasava o pagamento o seu Orlando mandava dizer que estava morrendo de saudade. Era a forma gentil e delicada de fazer suas cobranças. Na mesma rua que hoje é a Avenida João Alves de Paula tinham também as quitandas do senhor Alfredo Maulaz, do senhor Jonas, do Geraldo Sapateiro com a dona Landica. A farmácia do senhor Zé Tito, farmacêutico que tinha a mesma importância de um médico. Ele tinha o dom e a grandeza de fazer partos, consertar membros quebrados e dava vida nova às pessoas. Muitos diziam: “devo minha vida ao Zé Tito.” Tinha também, a farmácia do Saulo e a loja de tecidos do senhor Chico Franklim.
Sonho com Nova Belém ainda povoada com esses personagens. Sei que quase tudo mudou, mas não me custa sonhar. Todos esses personagens que citei em minha história, povoam os meus sonhos, dão vida aos meus anseios e me deixam mais feliz. A minha origem é feita de barro, de chão e da terra desse lugar.
Estou há muitos anos sem voltar à Nova Belém e não é por descaso. Preciso urgentemente voltar à fonte e me nutrir de inspiração. Preciso me fartar da beleza que há em Nova Belém, beber dessa água, me encher de alegria e de esperança novamente. Preciso voltar ao útero dessa terra e renascer. Enquanto não posso realizar esse feito fisicamente, faço-o através da imaginação.
Nova Belém e os mistérios contidos em suas nascentes de águas límpidas. Nova Belém e a coragem do seu povo de mãos calejadas e do trabalho duro. Nova Belém e a grandeza da sua gente, a beleza das crianças sorrindo, correndo nos campos floridos. Nova Belém se resume num céu cravejado de estrelas e nas montanhas cheias de milagres. No céu de Nova Belém consegui enxergar todas as estrelas da galáxia. Agora elas se apagaram ou ficaram mais distantes de mim. Ou talvez não tenha a mesma aptidão para observá-las.


SANTIAGO DIAS
(Trecho do livro: O PLNTADOR DE MANHÃS)