GERMINAR

A Cada nascer do sol
Há esperança de ser livre
E como pássaro peregrino

Voar confiando em não ser só.


Santiago Dias

sábado, 28 de julho de 2012


Significado de O DITO CUJO
Pessoa conhecida de quem se está falando, mas não se quer nomear.
Exemplo do uso da palavra Dito cujo:Mal começamos a falar sobre o Luís, o novo funcionário, a porta se abriu e o dito cujo entrou na sala.
Significado de O DITO CUJO Pessoa conhecida de quem se está falando, mas não se quer nomear. Exemplo do uso da palavra DITO CUJO: Mal começamos a falar sobre o Luís, o novo funcionário, a porta se abriu e o dito cujo entrou na sala.

sábado, 14 de abril de 2012

BUSCANDO NOVOS HORIZONTES


Foto da Web


A África, antes de ser invadida pelos predadores europeus, era unida, orgulhosa de sua cultura e seus costumes. Milhões e milhões de africanos foram arrancados e arrastados para diversos lugares do mundo. Foram vendidos como animais irracionais. Milhares de pessoas morreram nos combates e maus-tratos impostos pelos navegantes e mercadores. Ainda hoje o sistema capitalista vive jogando uns contra outros, para dificultar a integridade. Afirmam a todo o momento que o sonho de unidade é mera utopia. Tiraram-lhe o direito de uma família, ou de viver em paz até mesmo com os irmãos. A liberdade que esse povo precisa, ainda tem que ser conquistada.
Essa gente foi arrancada de suas aldeias e levada para lugares estranhos, onde sua cultura nada significava. Impuseram-lhe os costumes de um povo diferente. Foi proibido de praticar suas crenças. Os colonizadores diziam que sua religião era bruxaria ou magia negra. Ainda hoje, após tanto tempo, percebe-se que quase nada mudou em relação a isso.
Há algumas décadas, no tempo da guerra do Vietnã, o mundo sofreu uma influência muito grande. A juventude passou a usar roupas e cabelos no mesmo estilo dos militares. Quando o movimento “hippie” surgiu, quebrou a estrutura conservadora da classe dominante, determinando os rumos do consumismo, ou trazendo alternativas válidas. Os mesmos jovens que se trajavam como militares, começaram a questionar seus pais e ter um comportamento diferente. A partir daí, passaram a sofrer todo tipo de repressão, por serem cabeludos contestatórios e por pregarem a liberdade.
Com o negro ocorre da mesma forma. Ao passar pelas ruas, escolas, teatros e bares, são surpreendidos com gestos desdenhosos, por caracterizarem suas origens nas roupas e cabelos. Sempre tem que engolir as piadinhas de mau gosto dessa sociedade retrógrada e falida, que em nome de sua civilidade, deveria aceitar essa exteriorização como um ato de preservação de sua autenticidade cultural.
Temos que parar por um instante e dar um passeio dentro do nosso íntimo... Talvez aí, vamos perceber que somos a soma de todas as cores. Somos índios, negros, amarelo e branco. Como disse um amigo:
- “Isso está claro nos traços. Se não é no cabelo é na cor. Se não é na cor é nos lábios ou nariz. O nosso País é um jardim e muito mais bonito, na medida em que tenha variedades de flores. Que todas elas possam florescer livremente. Se tiver uma só cor, ele se torna monótono. O Brasil é um jardim de várias etnias”.
Alguns desavisados deixam escapar que negro é feio, é inferior e incapaz de raciocinar. Não falam abertamente, mas está explícito nos gestos e ações. Por muitas vezes, o negro depara-se com pessoas que invertem a condição: trata-o de racista ou revoltado.
Alguns negros se iludem dizendo que são pardos, moreninhos, moreno jambo ou mulatos. Eles não sabem que também, são vítimas do preconceito como qualquer negro e padecem muito, tentando passar por brancos. É impossível não diferenciar o café, do leite, mesmo quando os dois são misturados.
A consciência é o caminho da liberdade. Para se livrar desses grilhões, que às vezes, são impostos até mesmo pela família, é preciso desvencilhar-se de todos os preconceitos. Sejam eles raciais, religiosos ou sociais. Os elos que nos ligam são mais fortes. Se formarmos uma corrente na busca da liberdade, será impossível barrar nossos caminhos. A partir daí, poderemos abrir os braços para abraçar o Universo e vermos o sol nascer. Vamos poder parar e olhar o percurso das águas e na transparência, ver brotar a essência do nosso ser.

SANTIAGO DIAS
(Trecho do livro: O Plantador de Manhãs)

O MENINO QUE NÃO ERA NADA



(À Professora Dioguina Augusta Santana)
Foto da Web

Era um menino normal como qualquer um daquela região. Gostava de brincar com os outros de sua idade. Apesar da timidez, era alegre e sonhava com um futuro melhor. Só recebia carinho dos animais, pois morava no interior. Seu próprio pai propagava que ele era a pior criança daquele lugarejo.
Esse menino foi crescendo assim, sempre ouvindo do pai:
- Você não é nada, não vale nada e nunca vai ser nada!
Essa frase era repetida todos os dias, toda hora e em todo lugar. Ele acordava e seu bom dia era esse bordão. De tanto o pai falar que ele não era nada aos parentes, vizinhos, amigos e até aos estranhos, ele passou a ser chamado de Nada. Por onde o pequeno andava, alguns maldosos inventavam histórias mentirosas a seu respeito. O homem não queria saber se era mentira ou não, por isso o surrava covardemente. Aquelas pessoas riam ao vê-lo todo cortado das chicotadas. O pobre menino vivia com o corpo marcado. Ainda por cima, aquele homem ordenava aos amigos para surrá-lo quando o vissem fazendo peraltices. Esses homens, ao encontrá-lo em qualquer lugar, já iam logo tirando a correia ou cinto. A humilhação vinha de todos os lados. Apanhava de uns homens estranhos, ignorantes e agressivos. Falavam para seu pai que ele estava fazendo travessuras, o “troglodita” acreditava. Acho que esses homens admiravam muito a violência do pai do Nada, pois talvez fizessem o mesmo com a família. Seu pai não queria saber e nem podia imaginar que esse menino tivesse algum traço de inteligência ou personalidade.
O Nada vivia triste, percebeu que não era querido por ninguém. Por onde andava, as crianças e até adultos o ridicularizavam. Pensou várias vezes em suicídio, mas por gostar muito da mãe, não quis causar-lhe mais aborrecimentos. Achava que ela também era vítima.
O Nada crescia sendo nada, vencia seus obstáculos como nada. Com seis anos, começou a estudar, mas antes de ir para a escola, tinha que tratar dos porcos e das galinhas. Tinha que buscar lenha, cortar cana, ajudar a moer numa engenhoca de madeira, tomar banho no córrego e sair correndo por quatro quilômetros, até a escola, sem comer nada. Lá ficava das sete às doze horas, quase morrendo de fome. Naquele tempo não tinha merenda. Com esse histórico, nada entrava no seu entendimento. Passava de professora por professora e nada de nada. Passava de sala por sala e nada de aprendizagem. Até ele começou se convencer de que era nada mesmo.
Por sorte apareceu na escola uma professora, que se interessou por ensiná-lo. Só então começou a sentir certo orgulho de si mesmo. Ela dizia que ele era tão importante quanto qualquer pessoa e começou chamá-lo pelo nome civil. Foi aí que ela fez o Nada perceber que era alguma coisa, mesmo contrariando o pai e amigos. Através daquela professora, ele descobriu que era gente, que tinha sentimentos e que gostava das pessoas. Aprendeu a escrever e ler tudo, principalmente poesias. Aprendeu a ouvir músicas e até esboçava um sorriso, ainda que quase todos os que o rodeavam o considerassem nada.
Parecia tarde demais para que alguém percebesse alguma importância em Nada. Seu pai se empenhava fervorosamente com unhas e dentes para que todos desacreditassem nesse menino. Sempre dizia para quem os visitasse:
- Estou falando sério, esse menino não vale nada mesmo!
Dizia isso repetidas vezes a qualquer um que se aproximasse dele. Para algumas pessoas, era Nada pra lá, Nada pra cá e assim ia correndo o tempo. Mas o Nada agora descobriu a poesia. Começou se relacionar com os livros e o mundo mágico dos poetas. Conheceu também a esperança, que até então parecia muito distante.
Enquanto ele sonhava, o pai se preocupava em propagar que o menino era nada. O Nada lendo e relendo os poetas, desenvolveu também suas poesias, mas para seu pai não era nada. Também pudera, ele não sabia ler! Sua mãe, seus irmãos e seus sobrinhos não são diferentes. Parece que isso vai ocorrer ainda por muito tempo nas gerações vindouras dessa família.
O Nada se mudou com a família para uma cidade grande e a tônica do seu pai em afirmar que ele não era nada, enfraqueceu. Nesse outro lugar, o Nada conhecia as pessoas antes do seu pai e isso começou a inverter a situação. O Nada já era um adolescente que gostava de ler e escrever poesias. Isso o destacava entre os demais, fato que irritava profundamente o pai. Um dia o velho acordou bem cedo, pegou um saco preto, juntou os trapos do Nada e jogou na calçada. Voltou e tirou o Nada a socos, empurrões e ofensas da cama e o escorraçou de dentro de casa, dizendo:
- Não volte nunca mais aqui. Nunca mais quero ver a sua “cara”!
Foi mais um tropeço na vida do Nada.
Saiu caminhando sozinho, triste, sem dinheiro e perdido nas ruas da cidade grande. Passava as noites assentado na área de espera da rodoviária, onde não corria o risco de ser agredido por policiais ou outros moradores de rua. Por ali ele ficou vários dias, sem alimento e sem higiene pessoal, já que se encontrava totalmente desprevenido financeiramente.
Apesar de tudo, o Nada não perdeu a esperança. Por onde andava, levava consigo uma pasta com suas inseparáveis poesias, que era o bem mais precioso que possuía. Ele declamava para seus colegas de infortúnio e isso o popularizou entre eles. Através desse feito, conquistou o carinho desses pobres infelizes, pois todos tinham uma história parecida. A companhia desse menino era disputada. Até que um deles o convidou para trabalhar como servente de pedreiro em outro estado. Segundo esse colega, era só convencer o homem que selecionava, podia mentir até a idade. Foram ao local da seleção, mas ele era ainda menor de dezoito. Naquele tempo isso era fácil de resolver: fez novos documentos, com vários anos a mais e foi contratado de pronto. Ele, o amigo e outros companheiros de falta de sorte partiram para outro estado. Foi assim que conseguiu deixar de ser morador de rua.
Na obra em que foi contratado, trabalhavam quase mil operários, todos parecidos com ele, na tristeza, na solidão e na angústia. Percebeu também que somente vinte por cento eram alfabetizados. Todos se encantaram com suas histórias e seu jeito de contá-las. Vinham de longe para ouvir suas poesias.
O Nada escreveu cartas para esses colegas analfabetos e lia as que eles recebiam. Muitos outros começaram a procurá-lo para escrever para parentes distantes. Sabia a intimidade de cada um e até o destino daqueles homens e através deles conheceu cultura de diversos lugares do país. Foi assim que começou a se especializar na arte de escrever. Ele viu na prática o quanto aquela professora com sua estreiteza de caráter e sensibilidade lhe fez bem. Com o tempo o Nada foi tomando mais gosto pela escrita e foi apurando seu estilo de escrever.
Hoje o Nada é conhecido e admirado em muitos lugares, mas onde ele se originou, não passa de um mero estrangeiro. Uma vez um colega de adolescência disse:
- Nem aparência de poeta ele tem!
Qual será a aparência de um poeta?
De qualquer forma o Nada criou vários livros. Ele é referência e respeitado por outros amigos e poetas, mas para seus antigos colegas e parentes, ele simplesmente não é nada. Seu pai morreu, mas se estivesse vivo, possivelmente ainda o consideraria nada. Nem seus irmãos conhecem seus trabalhos, provavelmente continuam achando que ele não é mesmo nada e seu trabalho, menos ainda.
Ainda bem que o Nada teve a alegria de conhecer aquela professora. Aquele momento foi o divisor de águas em sua vida. Ela conseguiu transformar o nada em um ser humano. Bastou algumas palavras de autoconfiança, como qualquer um precisa. Que Deus abençoe essa professora, onde quer que esteja! Ela e seus conhecimentos mágicos conseguiram resgatar o menino poeta de trás da cortina preta da ignorância e elevá-lo a dimensão das estrelas.
Foi através dessa reflexão e de um momento minúsculo de lucidez, que percebeu o quanto o professor é importante para a sociedade. O Nada tinha tudo para ser um criminoso, revoltado, violento e, no entanto, escolheu a poesia para tentar aliviar a dor de outras vitimas.
Qualquer palavra de desestímulo vinda dos pais, pode atrapalhar psicologicamente e destruir a vida inteira de um cidadão. As palavras podem torná-lo agressivo, truculento, complexado e isso se estender por toda vida.
SANTIAGO DIAS
(Trecho do livro: Caminhos de Nova Belém)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

POESIA SEM POESIA


Imagem da Web

Ganhar livros nem sempre me deu alegria. Quando tinha seis anos de idade, meu pai viajou para a capital do Estado. Ao retornar, trouxe presentes para todos os filhos. Fiquei ansioso esperando o meu. Ele tirou da bolsa um livro velho, sem capa, com as folhas amarelecidas e sujas. Deu-me aquilo. Senti vontade de jogar fora na mesma hora. Como sou discreto, resolvi esperar um pouco. Depois que ele terminou de contar suas vantagens e desvantagens, chamou-me. Pegou o livro de minhas mãos e disse:
- De hoje até domingo quero que você aprenda essas duas lições! Apontando para as primeiras páginas.
- Se não me der essas lições na ponta da língua, sem gaguejar, esse chicote vai comer!
O chicote é usado para bater em cavalos e outros animais. É também chamado de relho. Meio metro de madeira roliça e um pouco mais de um metro de couro, desfiado na ponta. Onde pega, valha-me Deus! Em qualquer parte do corpo ele deixa vários vergões. Marcas roxas, muitas vezes ficam em carne viva.
Tive sete irmãos e eu apanhei mais que os outros. Era o mais travesso e questionador. Para provocar-me, ele pegava uma pedra e dizia que era pau. Eu contestava dizendo que era pedra. Por isso, surrava-me violentamente. Ainda enfurecido, perguntava:
- Isso não é pedra, é pau, não é?
Balançava a cabeça afirmativamente. Só depois disso que ele parava de agredir-me.
Ainda não sei por que minha mãe tão passiva e amiga dos filhos permitia que ele fizesse aquilo. Ela se limitava a olhar-me sem nada dizer. Observava-me com tristeza. Sentia-me o pior ser humano do universo. Às vezes, penso que ela não dizia nada para não tirar a autoridade dele. Depois de toda a humilhação, pensava:
- Nunca mais vou falar com esse homem!
Ela, cheia de artimanhas, tramava alguma coisa para amenizar o confronto. Acabava me esquecendo de que éramos inimigos mortais. Para maior aborrecimento, ele comentava com os amigos. Para ele, espancar filhos, parecia natural e isso me deixava ainda mais constrangido.
Quanto ao livro em latim, passei a semana procurando alguém que soubesse lê-lo, mas ninguém, nem mesmo os professores da região. Quando faltavam dois dias para vencer o prazo estabelecido, não sabia nada, a não ser, soletrar algumas palavras parecidas com o português. Temendo as surras que recebia até mesmo sem motivo, imagina agora, merecendo! Comecei planejar alguma coisa para me livrar da violência.
Chegou o bendito domingo e pensei que ele havia se esquecido. Fugi dele o tempo todo e nada adiantou. Antes do almoço, pegou o chicote, sentou-se no quintal e gritou:
- Vem aqui realizar sua tarefa!
Meu coração só faltava pular pela boca. Sabia que ia sofrer aquelas chicotadas que doíam até na alma. Sentei-me diante dele, parecendo um cachorrinho indefeso e maltratado pelo dono. Estava sem camisa e descalço, vestido apenas com uma pequena bermuda. Só pensava naquele chicote lambendo minhas costas com aqueles fios de couro retorcidos, deixando marcas roxas, onde alcançasse.
De repente veio-me a luz, subitamente lembrei-me que ele não sabia ler. Não lia nem português, quanto mais latim. Pensei inventar outras palavras, pois ele não sabia nada tanto quanto eu. Foi aí que comecei a narrar o que estava à minha volta. Falei do jardim florido e da laranjeira em flor, parei como se tivesse terminado a primeira lição. Olhei por cima do livro e constatei que ele estava rindo com satisfação. Pensei:
- Convenci o pangaré!
Sem pestanejar, ainda com o chicote na mão, pediu-me outra lição. A segunda foi mais difícil, pois teria que ser um tema diferente. Ele não podia perceber a farsa. Comecei a segunda lição falando pausadamente e com mais naturalidade.
Foi assim que enganei meu pai e não recebi essa surra. Também foi assim que consegui criar minha primeira poesia, mesmo sem inspiração. Por esse fato, eu o perdôo. Inocentemente, até hoje, ele pensa que sou um exímio conhecedor do latim.
Não se esqueçam de que a violência que se espalha nas ruas, começa em casa. Todas as crianças que são espancadas em casa acabam cometendo o mesmo erro com os colegas de sua idade. Eu saia de casa com vontade de bater em qualquer criança que encontrasse. Parecia que ela era culpada do que ocorria comigo. Tinha vontade de bater, principalmente nos adultos. Achava que eles eram meus inimigos. Era uma luta para controlar esse instinto de violência que morava em mim. Tinha raiva de quem me cumprimentasse.
Esse relato não é para revelar nenhuma mágoa do meu pai. Isso é só uma revelação da lembrança amarga do meu tempo de menino. Nunca consegui esquecer. Lembro-me bem de uma frase de efeito, que diz: “Quem apanha, nunca esquece”. Sou prova viva desse argumento.

SANTIAGO DIAS
(Trecho do livro: O Plantador de Manhãs)

sexta-feira, 30 de março de 2012

PARECE QUE FOI ONTEM


Foto da Web

Ontem eu estava em casa ao lado dos meus irmãos. Ria sem saber de quê. Cantava desafinado e falava qualquer coisa, todos achavam engraçado. Ainda ontem fui pela primeira vez à escola. Chorei de saudade dos pequenos lá de casa. Ontem mesmo, minhas tias pegavam-me no colo e beijavam-me carinhosamente. Eu dava pulinhos de alegria. Contava estrelas deitado no colo de minha mãe, ela passava as mãos delicadamente sobre meus cabelos. Meu mundo era só alegria. Não me preocupava com o amanhã. Inocentemente, sonhava que brincava num jardim florido de um castelo encantador. Vi os passarinhos cantando livres no quintal da minha casa. Tudo parecia conto de fadas.
Ontem beijei minha primeira namorada... Tive esperança que o amanhã fosse melhor! Vi uma flor desabrochar e outra murchar no pé. Vi uma folha seca voando leve no vento e me tornei poeta. Chorei e esperneei querendo colo novamente, mas o ontem passou tão rápido, deixou marcas que nem mesmo o tempo conseguirá apagar.

SANTIAGO DIAS
(Trecho do livro: O Plantador de Manhãs)

domingo, 4 de março de 2012

CAMINHOS DE NOVA BELÉM


Foto de Nova Belém - MG





Nova Belém é um povoado que, no tempo em que morei lá, era habitada por cem famílias mais ou menos. Ainda não sei o porquê desse nome, pois nunca ouvi falar se há um lugar chamado Velha Belém, a não ser a Belém de Jesus Cristo, que fica a milhas e milhas de lá.
Todos se conheciam e sabiam as qualidades e os defeitos de cada um. Quase todos tinham apelidos. O senhor Henrique Teixeira era o Zico Dentista e era um dos homens mais gentis dessa terra. O senhor Geraldo se tornou sapateiro, o Geraldo Sapateiro. O José Candido era o Zé Candinho. O Sebastião Barreiro era o Tatão, o principal homem que batizava as pessoas com os apelidos. O senhor Fiinho era caçador e nunca fiquei sabendo do seu verdadeiro nome. O Manoel Romão era o Manuelino, que chegou a legislar como vereador nesse lugar. O Alair Caldeira Pena era o tabelião, mas todos o chamavam de Broa, e também não sei o porquê desse apelido. O senhor José Beneto e a dona Jovina eram rezadores do lugar e se mudaram para Belo Horizonte. Morava também a dona Nivalda e seus dois filhos, a Almerinda e o José, que o Tatão o batizou de Zé Fincão. O senhor José Líbano que todos chamavam de Zé Libano, sua esposa Maria Adália e seus filhos José Eliotero, Benedito e a Rosa. O senhor Darli Soldado com sua família. Ele fugia dos padrões dos seus demais colegas de profissão. Era um homem educado e gentil. O
Assim Nova Belém passou de município a cidade. Só falta nascer por lá um José, uma Maria e depois, um Jesus Cristo. Talvez ele não fosse condenado pelas pessoas. Herodes, Pilatos e Judas possivelmente não passarão por lá. Sei que lá habitam muitas Marias, Josés e possivelmente muitos meninos Jesus. Jesus negro, Jesus branco, Jesus índio, Jesus gente de carne e osso, o que é mais importante. É praticamente impossível identificar o Messias, pois sei que ele pode não se chamar Jesus e por essa razão temos que amar a todos do mesmo jeito. O menino Jesus do meu vilarejo não tem estrela na testa visivelmente e acho que seu pai pode não se chamar José e sua mãe não se chamar Maria. Aos poucos ele vai se revelando através de atitudes, gestos carinhosos e orações. Digo isso porque Nova Belém é abençoada por Deus!
Belenzinho era composto por duas ruas no horizontal e três na vertical. As duas horizontais eram chamadas de rua de cima e rua de baixo. Depois de muitos anos, - e eu nem morava mais lá - fiquei sabendo que a rua de cima ganhou o nome de Avenida João Alves de Paula, um velho amigo dos meus pais. A rua de baixo recebeu o nome de Magalhães Pinto, um velho político mineiro. Das ruas verticais ainda não sei os nomes, pois faz muitos anos que não visito o meu lugar de origem. A Rua de baixo era quase que intransitável, estava constantemente alagada e cheia de lama. Só passava ali por dois motivos: o primeiro para eu ir à casa do senhor Zico Dentista brincar com seus filhos e tomar suco de laranja feito por dona Florípedes. Passava nessa rua também para ir à casa da professora Dioguina Augusta Santana. Foi com ela que aprendi a ler e escrever. Com ela conheci o lirismo poético do Manuel Bandeira, a beleza mágica do Carlos Drummond de Andrade e a delicadeza da poetisa Cecília Meireles. Foi minha primeira paixão pela poesia. Depois desse meu primeiro encontro com os escritos desses poetas brasileiros, nunca mais fui o mesmo. Tornei-me dois meninos, um antes e outro depois de conhecer esses poetas. Comecei a ler todos os poetas e livros que caiam à minhas mãos e daí foi um passo para começa a escrever.
Nova Belém é o meu cenário poético, o meu mote e meu tema predileto. Enquanto respirar vou falar de suas montanhas, do nascer e o pôr do sol, das águas cristalinas, das noites estreladas e das pessoas de grandeza espiritual que vivem, que viveram, que passaram e outros que passarão por lá. Assim é feito o meu Belenzinho de sonho, de amor e alegria.
Na rua de cima ou rua principal tinha a quitanda do senhor Orlando Santana, onde as pessoas faziam paradas antes de percorrer o povoado. Era impossível não desejar comer as delícias feitas pela dona Fiinha, esposa do senhor Orlando. Ao lado das duas portas da quitanda havia uma árvore enorme, de folhas também enormes e era onde se amarravam os cavalos. Nunca consegui imaginar Nova Belém sem a presença dessa generosa pessoa. Nessa quitanda meus pais compravam para pagar depois, ele anotava numa cadernetinha. Quando meu pai atrasava o pagamento o seu Orlando mandava dizer que estava morrendo de saudade. Era a forma gentil e delicada de fazer suas cobranças. Na mesma rua que hoje é a Avenida João Alves de Paula tinham também as quitandas do senhor Alfredo Maulaz, do senhor Jonas, do Geraldo Sapateiro com a dona Landica. A farmácia do senhor Zé Tito, farmacêutico que tinha a mesma importância de um médico. Ele tinha o dom e a grandeza de fazer partos, consertar membros quebrados e dava vida nova às pessoas. Muitos diziam: “devo minha vida ao Zé Tito.” Tinha também, a farmácia do Saulo e a loja de tecidos do senhor Chico Franklim.
Sonho com Nova Belém ainda povoada com esses personagens. Sei que quase tudo mudou, mas não me custa sonhar. Todos esses personagens que citei em minha história, povoam os meus sonhos, dão vida aos meus anseios e me deixam mais feliz. A minha origem é feita de barro, de chão e da terra desse lugar.
Estou há muitos anos sem voltar à Nova Belém e não é por descaso. Preciso urgentemente voltar à fonte e me nutrir de inspiração. Preciso me fartar da beleza que há em Nova Belém, beber dessa água, me encher de alegria e de esperança novamente. Preciso voltar ao útero dessa terra e renascer. Enquanto não posso realizar esse feito fisicamente, faço-o através da imaginação.
Nova Belém e os mistérios contidos em suas nascentes de águas límpidas. Nova Belém e a coragem do seu povo de mãos calejadas e do trabalho duro. Nova Belém e a grandeza da sua gente, a beleza das crianças sorrindo, correndo nos campos floridos. Nova Belém se resume num céu cravejado de estrelas e nas montanhas cheias de milagres. No céu de Nova Belém consegui enxergar todas as estrelas da galáxia. Agora elas se apagaram ou ficaram mais distantes de mim. Ou talvez não tenha a mesma aptidão para observá-las.


SANTIAGO DIAS
(Trecho do livro: O PLNTADOR DE MANHÃS)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O MENINO E O ESPELHO


Foto da Web




Olhando no espelho deparei-me com um homem sério, de rugas no rosto, cabelos grisalhos a observar-me. Fiquei assustado sem saber o que fazer. Diante da realidade comecei procurar desesperadamente a criança interior. A criança que brincava alegremente, que cantava e que sorria. Que olhava o céu e se encantava com as estrelas. Sofria por não poder contá-las. Naquela região comentavam que contar estrelas fazia nascerem verrugas. Criança que gostava de brincar de passar anel, ouvir cantigas de rodas e que adorava brincar de cabra-cega e corre, corre nas noites de lua cheia.
Hoje vejo um senhor diante desse espelho. Um homem de rosto suave, semblante triste e olhar melancólico, preocupado com o desespero do dia a dia.
Saiba que esse homem é a criança de ontem, que sonha com um mundo colorido, cheio de amor e alegria. Que ama as pessoas sem distinção de cor ou credo, a mesma que ri alto e grita mais alto ainda sem nenhum pudor de suas gargalhadas. Criança que não se importa com nada que não faça parte do seu mundo interior.
Essa criança está dentro desse homem. Por vezes volta ao tempo e se põe a cantarolar e sorrir. Embora se sinta como uma flor perdida na imensidão. Uma estrela com o brilho já apagado no espaço infinito. Homem levado a ingerir as artimanhas da sociedade dominante e conservadora. Ter que confrontar com as injustiças e as frustrações, coisas que uma criança jamais pensou que existisse. A mesma criança que sofre o mal da solidão, as privações que não faziam parte do seu universo. Esse menino vai superar, vai conseguir seu mundo encantado, mesmo que esse mundo esteja só dentro dele, mas que se permita libertar seu outro eu menino e juntos brincarem, voltarem a correrem nos campos floridos da infância. Afastar as amarguras e olhar a lua cheia. Contar estrelas sem se preocupar com as benditas verrugas. Brincar de tudo. Colher flores na primavera e se encantar com a flor do maracujá ou da paixão, como é denominada por muitos.
O menino ficou por algum tempo em silêncio, depois o afastou da frente do espelho. Tomou a direção dos pensamentos e argumentou que:
- Os homens sérios não riem nunca e as crianças acham isso tudo horrível. Esqueçam as engrenagens que o próprio homem criou para continuar vivendo. Vamos procurar um jardim florido e brincarmos sem nos preocupar. Voltemos ao passado e façamos o que o coração mandar. Qualquer praça será nosso mundo encantado. Qualquer pessoa será nosso irmão, poderá fazer parte das brincadeiras e usufruir dos nossos brinquedos e seremos uma só família.
Depois de uma pausa para refletir, continuou:
- Aliviarei sua dor, dando-lhe o elixir da felicidade. Nas reflexões e pensamentos estarei ao seu lado. Não se esqueça de que as rugas, os cabelos prateados são sinais dos tempos e não podemos mudar. Seremos como uma fonte ou nascente de águas.
O corpo e o espírito não vivem um sem o outro. Como sustentar o rio sem a fonte? E como se espalhar a água da fonte sem o leito do rio? A água da nascente vai desbravando a terra preparando o leito. O rio com a experiência da existência vai levando essas águas para o mar azulado e imenso.
O menino e o velho se abraçaram calorosamente desejando que esse momento não acabasse nunca e depois o homem disse:
Até breve pequeno, enquanto puder serei criança, mesmo com as rugas e os cabelos brancos serei eternamente menino.

SANTIAGO DIAS
(Trecho do livro: O Plantador de Manhãs)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A FILOSOFIA DO FEIO

Santiago, fotografado por Valquíria Fagundes


Há muito tempo ouvi uma história de um velho sábio. Dizia que a beleza e a feiúra caminhavam juntas. As duas foram tomar banho num rio muito distante. Enquanto a beleza se distraia brincando de jogar água para cima, a feiúra saiu sorrateiramente. Vendo que a beleza não percebeu sua ausência, então aproveitou e pegou sua roupa e se mandou. Quando a beleza se cansou de brincar saiu à procura de suas vestes. Surpresa constatou que a feiura havia fugido trajando suas roupas. Ficou desesperada sem saber o que fazer. Viu-se obrigada a usar a roupa da feiura. Até hoje elas são confundidas.
Acho uma injustiça o que se faz com os feios. Até a natureza desfavorece os feiosos. Já sei o que está pensando! “Não existe ninguém feio nesse mundo!” Conheço esse ditado há muito. Na prática só quem a sociedade dominante determinou que fosse feio sofre na carne as desventuras. Ele é mal visto de todas as formas. As pessoas o ignoram nas ruas e não é saudado nem pelas crianças. Nas festas, fica isolado num canto da casa. Todos o olham com desdém. Às vezes os donos solidarizam-se lhe oferecendo alguma coisa para comer. Ele só tem uma vantagem. O bonito tem a obrigação de ser sempre bonito e o feio não tem compromisso com nada.
O feio deveria ser visto de outra forma, mas além da feiúra, há quase sempre a timidez. Isso o faz parecer mais feio ainda. O tímido é visto como antipático. Outra barreira que ele enfrenta. Conheço um que ganhou o apelido de Franksten, ou simplesmente é chamado de todo feio. Quando ele está acompanhado por alguma mulher, os curiosos só faltam quebrar o pescoço para olhar os dois. Não falta quem diga: “O que aquela mocinha bonita viu naquele rapaz tão feio?” A pergunta fica sem resposta porque só ela sabe. Depois de todos esses sinônimos, ele nem mais se incomoda em ser chamado de todo feio.
Há um poeta que ousou dizer: “As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”. Há outra frase de efeito que diz:
- Beleza não se põe na mesa!
Um amigo ainda mais atirado falou:
- Na verdade beleza não se põe na mesa, põe se na cama.
Os idosos também sofrem amargamente essas desventuras.
Conheço uma teoria que diz que a pessoa bonita deve fazer par com o feio. Ela se torna ainda mais bonita em sua presença. Tem outra vantagem, não precisa sentir ciúmes, porque ninguém quer saber do feio a não ser quem brilhantemente o escolheu.
Conheço uma pessoa que de tanto ser chamado de marmota, se convenceu que é feia, vive presa na solidão. Não vai a festas e não se mistura com ninguém para não enfear a paisagem. Cresceu sendo excluído e chamado de feio. Por isso se isolou e se tornou um eremita. Recusa-se a amar alguém dizendo que seu destino é ser feia.
Levado por incentivo revelou seu amor para uma dama. Através dessa revelação, causou tanta confusão que até hoje é torturado pela consciência. Diz que nunca vai se livrar desse pesadelo. Através dessa metáfora pede perdão por ter causado danos e transformado a vida de uma encantadora mulher.
Comparo as pessoas a um jardim florido. Embora algumas flores foram moldadas inteiramente cheias de encantos e formosuras, outras foram jogadas e sobrevivem rastejantes, tristes e nunca notadas. Se você procurar decifrar e conhecer o que existe dentro dos astros ainda desconhecidos e se aprofundar em perceber as cores e os contornos das flores silvestres abandonadas, ficará surpreso ao encontrar tanta beleza interior, tanto magnetismo escondido, tanta humildade e tanta simplicidade ainda adormecida.
Portanto, devo dizer a você que se enquadra nos padrões de beleza atual: “Não se iluda com a beleza / Ela é como a flor do campo / Desabrocha e fica muito bonita / E num espaço pequeno do tempo / Ela murcha, perde o aroma / E suas pétalas são levadas pelo vento”।

SANTIAGO DIAS
(Trecho do livro: O Plantador de Manhãs)
santiagodias13@yahoo.com.br

MULHER, MULHER

(Para dona Chiquinha, minha mãe)



- Foto da Web

Há muito tempo estava tentando escrever sobre as mulheres, mas sempre me senti impotente diante deste assunto. Falar de sua grandeza é pouco. Falar de sua luta no dia-a-dia também não me apetece. Dizer que a mulher caminha lado a lado com o homem ainda é um absurdo. A mulher é antes de tudo uma fortaleza, um porto seguro. Apesar de reconhecer suas fraquezas enquanto ser humano, as qualidades superam.
Diante do machismo que está impregnado até a alma do homem eu me atrevo a falar da minha admiração. Estou atento à sua luta. Ao lado de qualquer homem brilhante há a contribuição feminina. Mesmo anônimas elas vão tecendo suas tramas da vida e seus ideais vão circulando. Ai de mim se não tivesse a educação, a grandeza e a preciosa companhia de dona Chiquinha, minha mãe. Sem sua presença na minha formação, talvez eu fosse mais um número numa penitenciária ou até mesmo mais um nome em um cemitério. Felizmente tive o merecimento de ter nascido de uma mulher de fibra.
Há quem diga que alguns homens têm sensibilidade feminina. Por mais que tenham, estão longe da mulher. É ela que carrega outro ser no ventre e suporta a dor do parto. Ela que acompanha o sofrimento dos filhos e padece a dor da perda. É ela que dentro de sua fragilidade se fortalece. Ela é o alicerce da casa, a luz do existir e o equilíbrio de tudo. Ela que vê as enchentes arrastarem seus móveis e ainda levarem seus filhos sem nada poder fazer. Ela que enfrenta a enxada, o sol e a chuva nos campos. Ela que se depara com a rigidez da violência que levou mais um de seus filhos. Ela que tem o coração traçado de dor. Ela é a renovadora. Ela, a flor em botão. Ela, a alegria das pessoas, a fonte da esperança. Ela, a mãe do Universo. É dela que o futuro depende para a formação do homem e do mundo.
Certa vez o poeta Vinícius de Moraes disse:...“No longo capítulo das mulheres, Senhor, tende piedade das mulheres / Castigai minha alma, mas tende piedade das mulheres / Enlouquecei meu espírito, mas tende piedade das mulheres!
Apesar de endossar as palavras do Vinícius pela beleza de sua lira poética, não peço piedade. Elas não precisam. Peço apenas compreensão e respeito.
Ela é quem chora enquanto outros riem. Ela que divide a alegria e sofre triste e sozinha! Mulheres camponesas de mãos calejadas. Mulheres da cidade, de almas aflitas e corações inquietos. Mulheres marcadas pelo tempo, marcadas pela vida, formando mais um elo na corrente do avanço. Musas inspiradoras, motivos de criação. Mulheres explosivas e mulher razão. Mulher entre os escombros procurando em vão sua outra metade que a guerra levou.
Por mais que me iluda com a aparência, com a estética, tenho consciência que a mulher não é só corpo. É pensamento, formosura, afinidade e perfeição. Nem só sorriso. É inteligência, brilhantismo e sensibilidade. Não é só beleza. É ternura, fragilidade e solidez. Não é só mãe. É carinho, encanto, dedicação e grandeza. Nem só habilidade. É consciência, magia, dinamismo e resistência...
A mulher é rocha resistindo à fúria das ondas do mar. Pau para toda obra. Lenha que fogo não queima.

SANTIAGO DIAS
(Trecho do livro: O Plantador de Manhãs)
santiagodias13@yahoo.com.br

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

ENGENHO NOGUEIRA E NOVA ERA

(O Brasil e a copa de 2014)



Garricha e Didi - Foto da Web


Lembro-me de um tempo, em que quase todos os bairros da periferia das grandes metrópoles, tinham campos de futebol. Aos domingos, antes do almoço, tínhamos onde nos divertir. Aos poucos esse cenário veio mudando. Hoje é raro encontrar espaço para bater uma bolinha. Em Belo Horizonte, no bairro Aparecida, onde passei parte da minha adolescência, havia dois campos: o Engenho Nogueira e Nova Era. O primeiro se tornou Shopping, o segundo, uma fábrica de tijolos. A região ficou cheia de prédios e indústrias. As ruas cheias de automóveis, as calçadas se tornaram estacionamentos de motos. Os adolescentes disputam quem compra o melhor carro e a melhor roupa.
Aquelas crianças que jogavam bola e se divertiam, hoje passam os dias andando nos corredores desse centro comercial, olhando as vitrines. Essa construção, mesmo antes de ficar pronta, engoliu vários meninos, quando ainda estava sendo elaborada. Depois de feito o grande monumento, os garotos querem a todo custo vestir as roupas, comprar as marcas, as etiquetas e isso tem um preço. Muitos pagam com a própria vida.
Embaixo daqueles corredores de cimento e concreto armado, foi enterrado o sonho de centenas de jogadores de futebol, jornalistas, massagistas, locutores esportivos e outros futuros profissionais.
Agora eu pergunto: onde o Garrincha ensaiou seus dribles, treinou seus passes magistrais, antes de ser considerado profissional? Onde o Pelé se firmou antes de ser o Pelé? Tenho certeza que foi nas peladas, nos becos, vielas e campinhos de bairros. O sonho de milhares de crianças foi soterrado por toneladas e toneladas de luxo...
O Passeio de domingo se resume em subir e descer escadas rolantes; olhando etiquetas, modelos de roupas e outras coisas que nunca poderão possuir. Roupas custando “o olho da cara” para fazê-los parecerem importantes.
No meu campinho do Engenho Nogueira, vi o José Leiteiro, o João Bosco, o PP, o Tuí, o João da Baiana, o Mauricio Bananeira, o Geraldinho, o Cláudio Pavão, o Gerléves, o Zué, o Manoel Amadeu, o Juvenil, o João Prata, o Aristides, o Sanfona, o Nivaldo, o Valério, o Carlinhos, o Nilson, e uma infinidade de garotos driblando o destino e fazendo valer o grito de Gol, gol, gol do Engenho Nogueira. Aquele pedaço de chão fazia a alegria daquela meninada.
Vi também, estupefato, o Ederaldo, o Zé do Pastel, o Buru, o Marcio da Vivi, o Quem Quem, o Antonio Carlos, todos sonhando em serem jogadores. Presenciei também suas quedas. Vi esses meninos sendo engolidos por um vendaval chamado violência. As garras do consumismo os levaram para o Nunca Mais. O sonho do futuro se tornou ferro, pó e pedras.
O Engenho Nogueira, o Nova Era e outros campos das várzeas se tornaram fumaça. Hoje aquelas crianças namoram as vitrines, as roupas de luxo, os automóveis e chupam os dedos. Uns se rendem à embriaguez e caem no esquecimento, às drogas os consolam. Outros empunham as armas e vão cobrar o futuro. Também foram bebidos pelo destino. Outros enlouquecem - ou enlouqueceram - vivem contando estrelas.
Responda-me, por favor: o que será da geração futura? Há escolas de futebol, mas a maioria desses talentos não tem dinheiro nem para pegar o ônibus. Escolinhas pipocam por todos os lados. Os filhos dos que tem dinheiro tentam aprender o ofício do futebol. Quanto aos meninos que citei, o futebol era natural. Ás vezes, as escolinhas acabam excluindo talentos que nascem nos morros, nas margens dos rios e becos. Se o Pelé, o Garrincha e muitos outros jogadores tivessem nascido mais tarde, não teriam chance de mostrar seu balé nos gramados.
. Domingo, após um festival de jogos, o povo gritava, batia palmas e sorria feliz pela vitória do time da casa. Fogos de artifícios explodiam por todos os lados. Era uma felicidade só. A carne ardia na churrasqueira, o samba corria solto na margem do campo. A cerveja descia macia na garganta. A cachaça quebrava o gelo, descontraia ainda mais aquelas pessoas.
Mesmo com toda desvalorização com que esse país, ou melhor, os administradores dessa nação tratam a juventude, sinto que nem tudo está perdido.
Certo dia, no meio daquela alegria, o Senhor Sincero pegou o violão e cantou acompanhado pelos amigos. Lembro-me do refrão daquele samba: “Se essa mulher fosse minha / Eu a ensinava a viver / Dava feijão com farinha / A semana inteirinha / Pra ela comer...” O João Bosco marcava o ritmo, batendo com um abridor de cerveja numa garrafa. O Bujão tocava uma caixinha de fósforo, o Benê sacudia uma latinha cheia de areia, fazendo o chocalho. Do outro lado da roda estava o João careca, o Antonio Mingau, o Sabino, o Dicão, o Rodolfinho, o Lourenço conversando e tomando algumas doses de cagibrinas.
O Senhor Sincero, ao terminar de cantar essa música alegre e cheia de ironia, levantou-se da pedra em que estava assentado, ergueu a mão direita e começou dizer quase gritando:
“Tenho orgulho de ser brasileiro. Ser brasileiro é ser solto, inventivo e sentimental. Ter um litoral repleto de sol e bonito por natureza. Poder falar de saudade, palavra tão nossa. Exercer a cidadania nas urnas e ruas desse país. Sentir o nó na garganta no momento do gol, do pódio, da reta final. Ser receptivo com as diferenças. Amar as cores...
Ah... Essa mistura de raças, que nos faz tão especiais, que nos dá a musicalidade, o ritmo que agrada a gregos e troianos. Essa arte brasileira que reflete a exuberância da natureza e a mistura de povos. Talvez seja por isso que nossos artistas são tão criativos. É assim na literatura, no teatro e nas artes plásticas. Vamos à busca dessa identidade como quem procura a si mesmo: permitindo-nos descobrir o quanto esse Brasil é fascinante, rico e cheio de diferenças. Essas descobertas nos tornam mais conscientes dos nossos valores e de nossa responsabilidade como cidadãos.”
Naquela época, achei o Senhor Sincero Bento dos Santos, ingênuo, ao expressar essa poesia, que também achei cafona. Sabia eu que o Brasil estava em crise e tinha consciência distante que muita gente amargava nos porões da ditadura militar. Depois de percorrer muitos caminhos acreditando em políticos oportunistas, percebi que o Sincero, sinceramente não estava errado. Por isso resolvi endossar sua expressão através desse meu canto de saudade. Sei que o importante é revolucionar a vida e os sentimentos. Essa é a minha revolução. Revolução feita de dentro para fora.
Ofereço esse texto a todos da minha comunidade, comunidade brasileira. Desejo de coração que as pessoas avancem, mas que esse avanço não nos tire o prazer de sermos felizes. Que os Shoppings, indústrias, prédios não ocultem as estrelas. Que os campos de futebol voltem para as vilas e que nossos meninos voltem para as peladas. Assim o Brasil vai poder conhecer um novo Garrincha, um novo Pelé e outros brilhantes jogadores. Precisamos nos lembrar de que o futuro é feito de sonhos.
A arte do futebol e outras artes podem funcionar como elixir, remédio para amenizar a dor e evitar possíveis confrontos, pois alguns jovens percebem que vivem como ratos em esgotos. Muitos sabem que essa nação tem uma dívida para com seu povo, e às vezes, até inconscientemente não se conformam em viver pacificamente na miséria. Uma parcela grande tem consciência que seus antepassados construíram esse país com a força dos braços.
Vamos pra frente Brasil! Vamo-nos misturando e miscigenando como o café com leite! Essa nação vai aos poucos se tornando uma cesta de frutas tropicais, céu com pássaros coloridos voando e nuvens brancas ilustrando o azul.
Quando tivermos saúde, moradia digna, escolas, trabalho, artes... eu vou gritar com prazer, gol, gol, gol do Brasil!
É assim que quero ver a copa de 2014.

SANTIAGO DIAS
(Trecho do livro: O Plantador de Manhãs)

domingo, 8 de janeiro de 2012

CONTINÊNCIA PARA AS ESTRELAS


foto da web

- “Eu te amo meu Brasil, eu te amo. Ninguém segura à juventude do Brasil”...


Desde menino questiono o bairrismo de algumas pessoas. A valorização exagerada desse ou daquele lugar. Onde nasci, havia um policial que exercia muita influência no meio social. Principalmente na única escola que havia naquela região. As crianças eram obrigadas a cantar o hino nacional diversas vezes ao dia em posição de sentido. A meu ver, aquilo ocultava a beleza simbólica dessa poesia. O Hino Nacional é um poema de rara beleza e grandeza. Acho que é o hino mais bonito do mundo. É uma pena que a maioria não consegue entender sua metáfora.
O policial era popularmente conhecido como Geraldo Soldado. Ele lançava as idéias para as professoras e inocentemente a meninada pagava o pato. Virava e mexia, aquele soldado magrelo surgia com uma nova tarefa para ocupar as crianças. Aquele homem era ranzinza, falava alto, tinha a voz grossa, resmungava e não permitia que as crianças estourassem nem mesmo uma bombinha nas festas juninas. Alegava que o estampido da bomba lembrava tiros. Isso o deixava irritado. Dizia com a testa franzida e voz de quem estava com raiva:
- Quero ver o sem vergonha que soltou essa bombinha!!!
Ninguém aparecia. Ele ficava na janela resmungando.
Quando ia se aproximando o mês de setembro, começavam os ensaios para homenagear o dia da independência, “mas que independência?!” Enquanto estudantes, professores, atores, jornalistas, poetas, músicos e outros eram torturados até a morte nos porões das grandes metrópoles e até mesmo nos campos, por pregarem a liberdade.
As crianças daquele tempo amargavam marchando nos caminhos de terra, debaixo de um sol escaldante, cantando uma música que repetia esse refrão:
- “Eu te amo meu Brasil, eu te amo. Ninguém segura à juventude do Brasil”...
Ingenuamente, pensava que aquilo não passava de uma música de carnaval. Nem de longe podia imaginar que atrás daquela canção escondia outra página da história, outro Brasil. Um Brasil que fechava sindicatos e amordaçava pessoas. Invadia casas, destruía escolas, queimava livros, jornais e outros meios de comunicação. Matava crianças inocentes, - só por serem filhos dos que sonhavam com um futuro melhor - sem dó nem piedade, sumia com pessoas para nunca mais. Tínhamos o direito de não termos direitos, ainda hoje carregamos o peso daquele tempo. O pior é que sei que não mudou só se transformou para o velho truque do faz de conta e vestiu o casaco da liberdade. Lobos travestidos de ovelhas continuam comandando a nação.
Naquele tempo, vi meninos descalços, famintos, mal vestidos, seguindo cantando pelos caminhos de terra, pisando nos cascalhos, espinhos e pedras de um Brasil arcaico, tradicional e preso ao imperialismo. A ditadura militar infiltrava-se em toda parte, vestida de nova e moderna. Absorvíamos como se fosse parte da evolução da Pátria. Eles tinham agentes infiltrados em todos os lugares. O Geraldo soldado cumpria bem o seu papel. Para mim, ele não passava de um “aborto da natureza”. Talvez, inconscientemente, mas, era mensageiro de uma legião de inimigos da geração futura.
Alguns políticos dessa pátria, naquela época, eram excludentes, traiçoeiros, truculentos e assassinos. Muitos morreram velhos, outros estão aposentados, recebendo fortunas do estado. Seus filhos, netos e bisnetos ocupam seus lugares no cenário político, dando continuidade a ideologia do passado. Até hoje suas vítimas ainda vivem assombradas com o que fizeram e ainda fazem ocultamente com os menos favorecidos. A polícia existe apenas para defender interesses do estado e dos burgueses. No tempo da escravidão no Brasil, ela defendia os fazendeiros, como capitães do mato. O exército dos inconscientes cresceu, agigantou-se, brigando contra as conquistas do povo.
O militar, “o tal Geraldo Soldado”, ensinava que onde houvesse uma bandeira, tínhamos que parar e bater continência em posição de sentido, como faz os militares brasileiros. Naquele tempo, não queria saber nem da roupa que usava, quanto mais, a bandeira!
Depois de muito tempo vi a verdadeira função desse pedaço de pano decorado, criado especialmente para separar fronteiras, dividir terras e provocar intrigas. Exemplo disso é o que ocorreu em mil e quinhentos, quando os “civilizados” entraram no Brasil. O Brasil era composto de palmeiras, mar, pássaros, terra e uma gente brava, guerreira, linda e feliz. Os “civilizados” chegaram massacrando as nações indígenas, barbarizando as mulheres, catequizando as crianças, impondo seus “conhecimentos”. No lugar de cada aldeia exterminada, deixavam uma bandeira. Por esse ato “heroico”, receberam o nome de bandeirantes. Hoje existem ruas, praças, bairros e cidades com seus nomes. “Os heróis do Brasil!”
Uma vez vi a linda bandeira tendo utilidade. Diga-se de passagem, foi um ato verdadeiramente heroico. Uma mulher tipicamente brasileira, ou melhor, fruto da miscigenação. Uma cabocla, tendo a maçã do rosto saliente, cabelos lisos e pele escura. Ela tinha olhar profundo, semblante triste e marcado pelos tormentos dos antepassados. A pobre mulher foi ter criança em um hospital público. Não havia leito. Pegou outro ônibus e partiu para outro hospital, onde também não havia lugar, nem médicos para atendê-la. Sofrendo a terrível dor do parto, pegou outro ônibus com sentido ao terceiro hospital. Também não havia lugar. Foi então que a pobre mulher, se contorcendo de dor, deu à luz uma linda criança, na calçada daquela maternidade. Recebeu o auxilio só dos infortunados indigentes, dos garis e transeuntes. Sem higiene, sem estrutura e sem nada para se limpar, outra companheira de falta de sorte, tanto quanto; olhou para o céu, como se pedisse socorro para Deus. Inesperadamente enxergou balançando no vento a tal bandeira do Brasil, que parecia dizer:
- Veja-me aqui. Para que sirvo se não ficar diante desse monte de máquinas humanas? Estou a sua disposição!
A senhora, coberta de humildade, entrou no jardim e desceu a bandeira do mastro. Com o amarelo, limpou a sujeira. Com o verde, cobriu a mãe. Com o azul e branco cheio de estrelas, ela vestiu a criança. A mãe, aliviada e sorridente, parecia ignorar a situação em que se encontrava. Disse com alegria e doçura:
- Se chamará Pindorama!
Poucos dias depois, o Pindorama, inocente, ouviu nos noticiários que seu primo da aldeia Pataxó, tinha sido sacrificado, incendiado vivo no Planalto Central do Brasil. Possivelmente, vítima dos filhos, netos e bisnetos dos antigos políticos dessa nação. Enquanto isso, o país comemorava na época, cinco séculos de “civilização”.
Ele, índio, aborígine, mendigando um pedaço de terra para plantar e viver. Terra que é sua por direito. Recebeu como recompensa, as chamas, as labaredas, a fúria do fogo, em nome da modernidade e da “civilização” brasileira.
Para quem não sabe, Pindorama quer dizer: “Lugar de palmeiras, primeiro nome do Brasil”.
Realmente foi o lugar mágico das palmeiras. O lugar dos povos de pele vermelha. Lugar de gente feliz. Lugar encantado dos pássaros e outros bichos. O pele vermelha teve sua cultura esmagada, seus rios poluídos e sua língua cortada. Ele sobrevive agora no silêncio como se fosse estrangeiro em sua própria casa. Esse é o pagamento que o Brasil e a “civilização” deram ao Índio, em troca da terra.
É triste saber que centenas e centenas de índios morreram defendendo o Rio Tietê e outros rios. Na tradução, Tietê, quer dizer: Rio Verdadeiro. Naquele rio, o índio ganhava a vida. Ele bebia daquela água. Pescava e alimentava sua família daquelas águas. Navegava naquelas águas. Aquele rio era tudo para as nações indígenas. A “civilização” assim vai devorando as nascentes, os lagos e os rios.

SANTIAGO DIAS
(Treco do livro: O Plantador de Manhãs)

sábado, 7 de janeiro de 2012

A FÚRIA DAS ÁGUAS - “Para onde vais, tu, grande enchente?"


Foto da web

Estou procurando sentido na vida. Uma loucura só. O menino nasce, se tem sorte de ficar com a mãe, felizardo. O pequeno cresce um pouquinho, começam as desventuras. O leite da mãe secou. O pai, desempregado. Perdeu, porque a empresa que trabalhava, comprou máquinas que faz o serviço de vários homens. Conclusão: várias pessoas fazendo cruz na boca, privadas do alimento. Se o menino tiver a sorte de crescer, mesmo dentro das privações, ainda corre risco de ser adotado por delinquentes e tornar-se, um deles. Se ultrapassar essa barreira, pode ser apanhado por balas que vem não sei de onde. Se caso passar também por essa prova de fogo, é um adolescente, pensamentos próprios e turminha de amigos. Namoradas, tudo mais. Motivo de comemoração.
Chegando tarde do baile, com sua roupa da moda, cabeça cheia de sonhos, ouve um grito:
- Parado aí, seu vagabundo, é a polícia!
O coração quase saindo pela boca. No pensamento, surgiram as cenas de violência. Por sorte, escapou também da brutalidade, do autoritarismo. Com mais sorte ainda, chegou a sua casa, são e salvo.
Sábado, de novo no baile, amigos reunidos e alegria. Conhece uma mocinha, começa o namoro. Consegue emprego, para de estudar. Depois de seis meses, a distinta engravida. Mais um na correria, na corrente do desespero. Outro João sem nada. Outro e mais um, outro e outros. O barraco, cheio de gente. As cabeças vazias. Tudo parecia melhor. Alguns trabalhando. A mãe acabada, o pai desdentado. Família trapo, farrapo humano, mas a vida melhora! Barraco de tábua, tijolos, geladeira para o leite não azedar. Fogão a gás para aquecer a sobra de ontem. Penteadeira com espelho, para ver o rosto magro e triste. Cama de casal, colchão esmolambado. Beliche para quatro e outro para as quatro.
Quando tudo parece bem, todos felizes. O suposto lar irradia harmonia, apesar dos desencontros.
Todos em casa, todos dormindo, todos sonhando. A chuva começa de leve, acalentando o sono, trazendo novos sonhos. A chuva foi aumentando, virou tempestade e se estendeu pela noite afora. Durou quase a noite toda. Segunda feira restou o vazio, onde ficava o barraco. A família foi arrastada pela correnteza. Os corpos foram misturando-se com móveis, lixo, esgotos e se perderam nos becos da cidade, para nunca mais. Diante desse drama lamentável, perguntei para a correnteza:
“Para onde vais, tu, grande enchente? / Vede o fruto que carregas; / arrastando-o turbulenta; / O que pretendes? / Arremessando-o contra as pedras; / É destruí-lo que tentas? / O que fazes correnteza? / Por que não lhe dá uma chance? / Ele não vai resistir! / Vês o que fizestes? / De tanto bater-lhe, de tanto açoitá-lo/ Tu conseguistes fazê-lo partir! / Mas o fruto que abre espalha as sementes... / e sobre estas águas sujas / Por mais que faças, estarão flutuando! / E agora, o que farás? / Por mais que te agites, tu as semeia! / E sobre tuas margens estarão germinando.” *
Pena que não somos como os frutos. Não resistimos à fúria das correntezas. Se fôssemos assim, essa família teria brotado em outro lugar. Talvez com mais sorte, suportasse com mais firmeza os contratempos do destino. Não se entregaria para uma cidade inundada.
Eles partiram, deixaram só a lembrança. O vazio de um barraco e a solidão dos que ficaram.

*Esse texto foi inspirado através da poesia CORRENTEZA, do professor e poeta, Jean Sebas Lhe Vate.

SANTIAGO DIAS
(Trecho do livro: O Plantador de Manhãs)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A RABECA NÃO SILENCIOU - (Ao Maestro Zé Gomes)


Zé Gomes - Foto retirada da Web

Sempre ouvi que música clássica instrumental era feita exclusivamente para dormir. Achava que a música era bonita demais para uma função tão pequena. No meu caso, dormia logo na segunda faixa. Desde que me entendo por gente não me lembro de perder uma noite de sono, mas com a música, dormia mais rápido. Dormia o sono dos justos, mesmo com o mundo caindo sobre minha cabeça. Realmente a música funcionava com perfeição. Um dia parei para pensar e conclui que nunca precisei de música para dormir. Resolvi conhecer melhor a instrumental clássica. Fui às lojas e comprei Bethovem, com ele o sono não me pegava tão rápido e, assim, pude ouvi-lo com a devida atenção. Achei a coisa mais linda do mundo. Parecia um milagre. Depois foi a vez de ouvir Tchaikovsky, Vivaldi, Ravel e entre eles veio também o Mozart. Parecia que o som dos violinos vinha cortando o céu, entrava no meu íntimo e se alojava na alma. Achava isso uma maravilha e eu era um privilegiado por ter descoberto um estilo tão encantador. Essa música me transportava para os estados mais variados. Chorava e ria de emoção ao mesmo tempo. Queria mostrar aos meus colegas que insistiam em ouvir o que se tocava nas emissoras de rádio.
Naquele tempo, conhecia com propriedade a música caipira, cada ponteio, cada arpejo e cada nota. Sabia até o timbre de voz dos intérpretes. Conhecia também o samba, o baião, o forró, o xote, o bolero, a valsa, o tango e até outras músicas com estilos duvidosos, mas da instrumental clássica não tinha conhecimento. Conheci o Bolero de Ravel e achei que não parecia coisa feita por alguém de carne e osso. Achava que só Deus poderia fazer algo com tamanha perfeição e beleza. Tudo no seu lugar, cada instrumento soava no seu devido lugar. Cada acorde, cada nota, era fascinante.
Os ignorantes diziam que só as pessoas com sexualidade duvidosa gostavam desse estilo de música. Eles usavam essa mesma expressão para os filósofos e outros ligados às artes. Por isso, muitos colegas menos esclarecidos se afastaram de mim, mas não deixei de me aprofundar e conhecer melhor esse encantamento chamado instrumental. Os velhos colegas estão mergulhados na obscuridade do desconhecimento e permanecem presos a seus dogmas. Teimosamente continuo ouvindo esse estilo e posso garantir que não me tornei menos homem por isso.
Há muito tempo fui a um show de um conhecido cantor e vi um jovem franzino, esguio e sereno com seu violino, tirando notas e sons que pareciam vir do além. Num dado momento o cantor nos brindou com um solo daquele instrumento. Foi um instante mágico. Nunca me esqueci. O violino só faltava falar. Imitava crianças sorrindo ou chorando. Imitava também os animais, as aves e até os automóveis. Era a grandeza humana contida num instrumento tão pequeno. Fui a outros shows e lá estava ele com seu instrumento. A todos os shows de que ele participava eu ia, só para ouvi-lo e vê-lo destilando suas canções.
Certo dia fui à casa de uma amiga e de súbito conheci seu esposo, o bendito violinista. Era o jovem que sempre vi atrás daquele doce e sagrado violino. O maestro Zé Gomes, aquele homem cheio de sensibilidade e música. Tornamo-nos amigos e parceiros, a partir daquele instante. Ele me recebeu como se fossemos velhos amigos e na hora começamos criar, unindo palavras e músicas. Assim as palavras começaram a dizer o que estava preso na garganta e no coração.
Seu nome de batismo é Jose Bonifácio Kruel Gomes, mas por mais de cinco décadas se tornou conhecido como Zé Gomes, o “Zé”. Familiar à arte de Bach, Stravinsky, Mozart, Paganini, Villa-Lobos, de quem foi magnífico intérprete.
Através de suas músicas eu consigo falar com Deus. Quando paro para orar, a minha reza é música instrumental. Tenho certeza que chego bem perto do paraíso, onde possivelmente, ele, o Zé Gomes, deve se encontrar com aquele sorriso amigável e gentil. Portanto, posso dizer que sua rabeca não silenciou, apenas mudou de plano.
Passei vários anos esperando a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente e me contentava apenas em assisti-lo nos palcos. O que me conforta é ter a honra de tê-lo conhecido. Era um poeta que não se preocupava em escrever em forma de palavras. Escrevia através das notas musicais, das canções e frases que criava nos pentagramas. Sua voz anasalada, aveludada, suave e pausada, jorrava poesia.
Possuo alguns CDS de sua autoria. São músicas feitas com alma e sentimento. Além disso, tenho orgulho de poder ouvir minha poesia em sua voz, acompanhado por ele mesmo, executando vários instrumentos. Viola de Cocho, Violoncelo, Violão, Piano e o lendário violino, que ele mesmo o chamava de rabeca. Só lamento não ter oportunidade de desfrutar mais da sua ilustre companhia.
“O som da rabeca interrompeu-se. Em meio ao acorde, calou-se, até a vibração se extinguir por completo, o tempo suspenso, o vazio. E o rabequeiro Zé Gomes sai de cena, deixando a peça inacabada.
Escrevi rabequeiro, mas o Zé era artista completo: arranjador, compositor, luthier, pesquisador e maestro. Pensador da cultura, crítico radical das “panelinhas” repletas de sanguessugas e vampiros, dos que mamam verbas, conluio infame onde “quem está dentro não sai e quem está fora não entra”. O Zé não estava nessa. Durante seu longo percurso, sempre foi rebelde, arredio, avesso ao sucesso fácil e aos holofotes.”
O velório não foi de tristeza, choro, foi uma festa, como ele mesmo gostava. Os amigos tocaram e cantaram canções inesquecíveis. Infelizmente eu não estava presente, pois sempre esperei que vivesse muito mais. Ele tinha mais para doar a humanidade através da música. Agora só me resta ouvir sua música e relembrar sua graciosa amizade. Ele deixou um vazio imenso, não só como músico, mas como amigo e irmão.
Partiu deixando um legado para a posteridade. O barco do destino chegou inesperadamente e o levou para tocar com os anjos, diante do senhor das histórias.
Cheguei pensar que nos dias seguintes iríamos nos encontrar para darmos continuidade aos trabalhos. Achava que era só uma brincadeira de mau gosto, travessura de criança. Mas ele se foi e deixou esse silencio assassino. Ainda bem que sua música ficou para abrandar nossos corações. Obrigado Zé, por sua contribuição humana. O mundo sem você não é o mesmo!
SANTIAGO DIAS
(Trecho do livro: O Plantador de Manhãs)
Santiagodias13@yahoo.com.br