GERMINAR

A Cada nascer do sol
Há esperança de ser livre
E como pássaro peregrino

Voar confiando em não ser só.


Santiago Dias

domingo, 8 de janeiro de 2012

CONTINÊNCIA PARA AS ESTRELAS


foto da web

- “Eu te amo meu Brasil, eu te amo. Ninguém segura à juventude do Brasil”...


Desde menino questiono o bairrismo de algumas pessoas. A valorização exagerada desse ou daquele lugar. Onde nasci, havia um policial que exercia muita influência no meio social. Principalmente na única escola que havia naquela região. As crianças eram obrigadas a cantar o hino nacional diversas vezes ao dia em posição de sentido. A meu ver, aquilo ocultava a beleza simbólica dessa poesia. O Hino Nacional é um poema de rara beleza e grandeza. Acho que é o hino mais bonito do mundo. É uma pena que a maioria não consegue entender sua metáfora.
O policial era popularmente conhecido como Geraldo Soldado. Ele lançava as idéias para as professoras e inocentemente a meninada pagava o pato. Virava e mexia, aquele soldado magrelo surgia com uma nova tarefa para ocupar as crianças. Aquele homem era ranzinza, falava alto, tinha a voz grossa, resmungava e não permitia que as crianças estourassem nem mesmo uma bombinha nas festas juninas. Alegava que o estampido da bomba lembrava tiros. Isso o deixava irritado. Dizia com a testa franzida e voz de quem estava com raiva:
- Quero ver o sem vergonha que soltou essa bombinha!!!
Ninguém aparecia. Ele ficava na janela resmungando.
Quando ia se aproximando o mês de setembro, começavam os ensaios para homenagear o dia da independência, “mas que independência?!” Enquanto estudantes, professores, atores, jornalistas, poetas, músicos e outros eram torturados até a morte nos porões das grandes metrópoles e até mesmo nos campos, por pregarem a liberdade.
As crianças daquele tempo amargavam marchando nos caminhos de terra, debaixo de um sol escaldante, cantando uma música que repetia esse refrão:
- “Eu te amo meu Brasil, eu te amo. Ninguém segura à juventude do Brasil”...
Ingenuamente, pensava que aquilo não passava de uma música de carnaval. Nem de longe podia imaginar que atrás daquela canção escondia outra página da história, outro Brasil. Um Brasil que fechava sindicatos e amordaçava pessoas. Invadia casas, destruía escolas, queimava livros, jornais e outros meios de comunicação. Matava crianças inocentes, - só por serem filhos dos que sonhavam com um futuro melhor - sem dó nem piedade, sumia com pessoas para nunca mais. Tínhamos o direito de não termos direitos, ainda hoje carregamos o peso daquele tempo. O pior é que sei que não mudou só se transformou para o velho truque do faz de conta e vestiu o casaco da liberdade. Lobos travestidos de ovelhas continuam comandando a nação.
Naquele tempo, vi meninos descalços, famintos, mal vestidos, seguindo cantando pelos caminhos de terra, pisando nos cascalhos, espinhos e pedras de um Brasil arcaico, tradicional e preso ao imperialismo. A ditadura militar infiltrava-se em toda parte, vestida de nova e moderna. Absorvíamos como se fosse parte da evolução da Pátria. Eles tinham agentes infiltrados em todos os lugares. O Geraldo soldado cumpria bem o seu papel. Para mim, ele não passava de um “aborto da natureza”. Talvez, inconscientemente, mas, era mensageiro de uma legião de inimigos da geração futura.
Alguns políticos dessa pátria, naquela época, eram excludentes, traiçoeiros, truculentos e assassinos. Muitos morreram velhos, outros estão aposentados, recebendo fortunas do estado. Seus filhos, netos e bisnetos ocupam seus lugares no cenário político, dando continuidade a ideologia do passado. Até hoje suas vítimas ainda vivem assombradas com o que fizeram e ainda fazem ocultamente com os menos favorecidos. A polícia existe apenas para defender interesses do estado e dos burgueses. No tempo da escravidão no Brasil, ela defendia os fazendeiros, como capitães do mato. O exército dos inconscientes cresceu, agigantou-se, brigando contra as conquistas do povo.
O militar, “o tal Geraldo Soldado”, ensinava que onde houvesse uma bandeira, tínhamos que parar e bater continência em posição de sentido, como faz os militares brasileiros. Naquele tempo, não queria saber nem da roupa que usava, quanto mais, a bandeira!
Depois de muito tempo vi a verdadeira função desse pedaço de pano decorado, criado especialmente para separar fronteiras, dividir terras e provocar intrigas. Exemplo disso é o que ocorreu em mil e quinhentos, quando os “civilizados” entraram no Brasil. O Brasil era composto de palmeiras, mar, pássaros, terra e uma gente brava, guerreira, linda e feliz. Os “civilizados” chegaram massacrando as nações indígenas, barbarizando as mulheres, catequizando as crianças, impondo seus “conhecimentos”. No lugar de cada aldeia exterminada, deixavam uma bandeira. Por esse ato “heroico”, receberam o nome de bandeirantes. Hoje existem ruas, praças, bairros e cidades com seus nomes. “Os heróis do Brasil!”
Uma vez vi a linda bandeira tendo utilidade. Diga-se de passagem, foi um ato verdadeiramente heroico. Uma mulher tipicamente brasileira, ou melhor, fruto da miscigenação. Uma cabocla, tendo a maçã do rosto saliente, cabelos lisos e pele escura. Ela tinha olhar profundo, semblante triste e marcado pelos tormentos dos antepassados. A pobre mulher foi ter criança em um hospital público. Não havia leito. Pegou outro ônibus e partiu para outro hospital, onde também não havia lugar, nem médicos para atendê-la. Sofrendo a terrível dor do parto, pegou outro ônibus com sentido ao terceiro hospital. Também não havia lugar. Foi então que a pobre mulher, se contorcendo de dor, deu à luz uma linda criança, na calçada daquela maternidade. Recebeu o auxilio só dos infortunados indigentes, dos garis e transeuntes. Sem higiene, sem estrutura e sem nada para se limpar, outra companheira de falta de sorte, tanto quanto; olhou para o céu, como se pedisse socorro para Deus. Inesperadamente enxergou balançando no vento a tal bandeira do Brasil, que parecia dizer:
- Veja-me aqui. Para que sirvo se não ficar diante desse monte de máquinas humanas? Estou a sua disposição!
A senhora, coberta de humildade, entrou no jardim e desceu a bandeira do mastro. Com o amarelo, limpou a sujeira. Com o verde, cobriu a mãe. Com o azul e branco cheio de estrelas, ela vestiu a criança. A mãe, aliviada e sorridente, parecia ignorar a situação em que se encontrava. Disse com alegria e doçura:
- Se chamará Pindorama!
Poucos dias depois, o Pindorama, inocente, ouviu nos noticiários que seu primo da aldeia Pataxó, tinha sido sacrificado, incendiado vivo no Planalto Central do Brasil. Possivelmente, vítima dos filhos, netos e bisnetos dos antigos políticos dessa nação. Enquanto isso, o país comemorava na época, cinco séculos de “civilização”.
Ele, índio, aborígine, mendigando um pedaço de terra para plantar e viver. Terra que é sua por direito. Recebeu como recompensa, as chamas, as labaredas, a fúria do fogo, em nome da modernidade e da “civilização” brasileira.
Para quem não sabe, Pindorama quer dizer: “Lugar de palmeiras, primeiro nome do Brasil”.
Realmente foi o lugar mágico das palmeiras. O lugar dos povos de pele vermelha. Lugar de gente feliz. Lugar encantado dos pássaros e outros bichos. O pele vermelha teve sua cultura esmagada, seus rios poluídos e sua língua cortada. Ele sobrevive agora no silêncio como se fosse estrangeiro em sua própria casa. Esse é o pagamento que o Brasil e a “civilização” deram ao Índio, em troca da terra.
É triste saber que centenas e centenas de índios morreram defendendo o Rio Tietê e outros rios. Na tradução, Tietê, quer dizer: Rio Verdadeiro. Naquele rio, o índio ganhava a vida. Ele bebia daquela água. Pescava e alimentava sua família daquelas águas. Navegava naquelas águas. Aquele rio era tudo para as nações indígenas. A “civilização” assim vai devorando as nascentes, os lagos e os rios.

SANTIAGO DIAS
(Treco do livro: O Plantador de Manhãs)

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